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O Primeiro Censo sobre Autismo no Brasil: Um Marco Histórico
Em 2024, o Brasil vivenciou um momento histórico: a realização do primeiro censo nacional sobre o autismo. Até então, qualquer número citado era uma estimativa, muitas vezes baseada em dados internacionais ou em levantamentos regionais. Agora, com uma fotografia mais precisa da realidade brasileira, abre-se um novo capítulo para compreender e atender melhor essa parcela da população.
Mas o que esse censo realmente significa? Quais consequências ele pode gerar? Que problemas estruturais ainda precisam ser enfrentados? E como as políticas públicas e os profissionais da saúde mental – especialmente psicólogos e psiquiatras – devem se posicionar diante dessa realidade?
Vamos explorar essas perguntas ao longo deste artigo.
O Que Significa o Primeiro Censo sobre Autismo?
A inclusão de dados sobre Transtorno do Espectro Autista (TEA) no censo brasileiro representa mais do que um avanço estatístico. É o reconhecimento oficial de uma demanda que por muito tempo foi invisibilizada.
Durante décadas, o Brasil não dispunha de informações precisas sobre quantas pessoas com autismo viviam no país, onde estavam, qual sua faixa etária, seu nível de suporte, suas condições de vida ou acesso à educação e saúde. Esse vácuo de informações dificultava qualquer tentativa real de planejamento de políticas públicas ou alocação de recursos.
O censo realizado pelo IBGE trouxe dados inéditos. Pela primeira vez, sabemos que existem mais de 2 milhões de pessoas com TEA no Brasil (segundo dados preliminares). A maioria está na faixa etária entre 5 e 19 anos, com maior concentração nas regiões Sudeste e Sul, mas com grandes lacunas no Norte e Nordeste.
Esse tipo de informação é essencial para a formulação de ações assertivas. Afinal, como garantir inclusão escolar, acesso a diagnóstico precoce ou tratamento especializado sem saber para quem essas ações devem ser direcionadas?
As Consequências Imediatas e de Longo Prazo
A primeira consequência direta do censo é a visibilidade. Os dados tornam o autismo uma questão pública e prioritária, saindo do âmbito exclusivamente familiar ou institucional. Isso cria uma nova realidade de pressão social e política por mudanças concretas.
Além disso, o censo ajuda a:
● Reorganizar os sistemas de saúde e educação, adaptando-os às necessidades reais.
● Capacitar profissionais com base em uma demanda mensurável.
● Distribuir recursos financeiros com mais critério e eficiência.
● Criar indicadores de desenvolvimento mais inclusivos, que contemplem pessoas com deficiência.
No longo prazo, espera-se que o país desenvolva uma rede nacional de atenção ao autismo, com centros regionais especializados, programas de apoio às famílias e iniciativas de inclusão no mercado de trabalho. Para isso, será necessário investir em formação continuada, pesquisa científica, além de políticas transversais que envolvam educação, saúde, assistência social e cultura.
Outra consequência importante é o aumento da consciência coletiva. À medida que o tema se torna parte do debate público, cresce também o combate ao preconceito, à desinformação e à marginalização que ainda cercam o autismo no Brasil.
Os Principais Problemas a Serem Enfrentados
Mesmo com o censo, o caminho ainda é longo. O Brasil precisa enfrentar desafios complexos e estruturais, como:
Falta de diagnóstico precoce
Muitas crianças só recebem o diagnóstico de TEA tardiamente, muitas vezes após os 6 ou 7 anos de idade, quando os sinais já eram perceptíveis desde os 2 anos. Isso ocorre por falta de profissionais capacitados, rede básica desatualizada e desigualdade regional.
Desigualdade de acesso
O acesso a tratamentos adequados (como terapias comportamentais, fonoaudiologia e acompanhamento psicológico) está concentrado nas grandes cidades e nos setores privados. Nas periferias e áreas rurais, o acesso é mínimo ou inexistente.
Escolas despreparadas
Embora a educação inclusiva esteja prevista em lei, muitas escolas públicas ainda não estão preparadas para receber crianças com autismo. Faltam professores especializados, adaptações curriculares, materiais adequados e formação continuada.
Estigmatização
Muitas famílias relatam experiências de preconceito, isolamento social e até violência institucional. Crianças com autismo muitas vezes são vistas como “problemáticas” ou “malcriadas”, quando na verdade estão enfrentando dificuldades sensoriais e comunicacionais.
Falta de dados qualitativos
Apesar do avanço que o censo representa, ele ainda traz informações quantitativas. Faltam dados qualitativos que mostrem a qualidade de vida, os níveis de autonomia, a situação das famílias cuidadoras e a presença de comorbidades como ansiedade, depressão ou TDAH.
Políticas Públicas: O Que Precisa Ser Feito?
Com os dados do censo em mãos, é hora de agir. A primeira necessidade é a criação de políticas públicas estruturadas, que ultrapassem o assistencialismo e busquem autonomia e dignidade para as pessoas com TEA.
Propostas urgentes incluem:
● Criação de um Plano Nacional de Atenção ao Autismo, integrando saúde, educação e assistência social.
● Fortalecimento da atenção primária, com capacitação de médicos da família e agentes comunitários para identificar sinais precoces.
● Estímulo à criação de centros especializados regionais, com equipe multidisciplinar (psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos).
● Ampliação do acesso a medicação gratuita e terapias pelo SUS.
● Inclusão de conteúdos sobre neurodiversidade nos currículos escolares e nos cursos de formação de professores.
● Criação de programas de acolhimento e suporte para as famílias cuidadoras.
● Políticas de inclusão no mercado de trabalho, com incentivos fiscais para empresas que empregarem pessoas com autismo.
Essas políticas precisam ser construídas com participação ativa da sociedade civil, de associações de familiares, de pessoas autistas e de profissionais especializados. Sem essa escuta, corre-se o risco de criar políticas desconectadas da realidade.
O Papel Fundamental do Psicólogo e do Psiquiatra
Nesse cenário, os psicólogos e psiquiatras assumem um papel central. Eles são a linha de frente tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento terapêutico das pessoas com TEA. Mas sua função vai além do atendimento clínico.
O psicólogo tem um papel:
● Na avaliação comportamental e diagnóstico diferencial.
● No apoio emocional às famílias.
● Na condução de intervenções terapêuticas baseadas em evidências, como ABA (Análise do Comportamento Aplicada).
● Na promoção da inclusão escolar, orientando educadores.
● Na formação de grupos de apoio e redes de solidariedade.
Já o psiquiatra é essencial:
● No diagnóstico médico, muitas vezes necessário para acesso a direitos.
● Na identificação de comorbidades, como depressão ou epilepsia.
● Na prescrição de medicamentos, quando indicado.
● Na coordenação de equipes multiprofissionais, garantindo uma abordagem integral.
Ambos precisam estar preparados para atuar com empatia, responsabilidade social e conhecimento técnico atualizado. Isso exige formação contínua, participação em congressos, leitura de literatura científica e articulação com outros profissionais da área é por isso que a Aster Psicologia e Psiquiatria Guarulhos mantém um padrão de conhecimento e atualização dos nossos profissionais a fim de garantir o melhor atendimento aos nossos pacientes.
Além disso, psicólogos e psiquiatras têm um papel político: advogar por direitos, participar da formulação de políticas públicas, atuar em espaços institucionais e contribuir com dados, estudos e propostas concretas.
O Começo de uma Nova História
O primeiro censo sobre o autismo no Brasil representa uma virada de chave. Pela primeira vez, o país se olha no espelho e reconhece uma realidade que estava escondida nas estatísticas invisíveis.
Agora que os dados existem, não há mais desculpa para a inação. É preciso agir com seriedade, planejamento e humanidade. Isso significa enfrentar os problemas estruturais, construir políticas públicas consistentes e valorizar o trabalho de quem está na linha de frente.
Mais do que números, o censo revelou histórias. Histórias de crianças que não falam, mas se comunicam de outras formas. De mães que abandonaram carreiras para cuidar dos filhos. De adolescentes autistas buscando seu lugar no mundo. De profissionais tentando fazer o melhor com poucos recursos.
Cabe à sociedade transformar essas histórias em protagonismo. E cabe ao Estado garantir que nenhum brasileiro seja invisível, especialmente quando sua voz é mais difícil de ser ouvida.
O caminho ainda é longo, mas agora sabemos por onde começar.

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